HETEROSSEXUALIDADE OBRIGATÓRIA

por Yuderkys Espiñosa Miñoso*

Buenos Aires, outubro de 2003

A análise da heterossexualidade como instituição é bastante recente dentro da teoria feminista tem desenvolvido um papel central a partir dos aportes realizados por feministas lésbicas dentro da academia e confronta-se distintos níveis de aceitação e rejeição.
Mas, sem dúvidas, esta noção este conceito foi amplamente conhecido por meio do texto Heterossexualidade obrigatória e existência lésbica da poeta e pensadora feminista Adrienne Rich (1980), embora tenha sido proposto originalmente pelo coletivo Purple September Staff através de seu artigo The normative status of heterosexuality (1975). Em sua análise, esta agrupação de feministas nos Estados Unidos, não somente apresentou o caráter da obrigatoriedade da heterossexualide, como veremos que já vinha sendo abordado por pensadoras como Carla Lonzi desde o início dos anos 1970 no contexto italiano, mas também introduzem um elemento novo em sua compreensão, isto é, a maneira como a heterossexualidade tem se constituído como uma das instituições chaves do patriarcado. De fato, o conceito usado pelo grupo, foi o de instituição da heterossexualidade obrigatória, que de acordo com Lauretis ( 2000 [1987]) permitirá chegar a uma análise mais adequada a respeito do lugar que a heterossexualidade ocupa em nossas sociedades, da maneira em que funda tanto o gênero, a sexualidade, os modos de relações entre os indivíduos e de pensamentos sobre os indivíduos. Como veremos, pensar a heterossexualidade como instituição social seria uma noção chave para a teoria feminista em sua análise sobre a construção do patriarcado.
A análise da obrigatoriedade da heterossexualidade em nossas sociedades havia sido desenvolvida desde o início dos anos 1970 no interior do movimento italiano pelo coletivo Rivolta Femminile, cujo o trabalho podemos acessar através de uma de suas integrantes, a reconhecida pensadora Carla Lonzi. Para o verão de 1971, esta escrevia em um de seus ensaios que posteriormente fora publicado em Escupamos sobre Hegel y otros escritos sobre liberación femenina2 o seguinte: “a complementariedade é um conceito que atinge o homem e a mulher no momento da reprodução, mas não no erótico sexual […] não é o modelo reprodutor aquele em que há cristalizado a relação heterossexual – incluindo quando no fim procriador é evitado cuidadosamente – segundo a preferência pelo pênis hegemônico?” e inclui: “Não nos pronunciamos sobre a heterossexualidade: não estamos tão cegas aponto de não poder ver que é um pilar do patriarcado, nem somos tão ideológicas a ponto de rechaçá-la a priori […] mas estamos convencidas enquanto a heterossexualidade for um dogma, a mulher seguirá sendo, de algum modo o complemento do homem. (LONZI, 1978, p. 72-73).
Nos seus trabalhos Lonzi invoca as múltiplas reivindicações do movimento de mulheres e feminista, como a luta pelo direito ao aborto. Ela advertia antecipadamente, a maneira em que todas as lutas seguem sem tocar no ponto central pelo qual a subordinação das mulheres é possível, e isto é, a naturalização das relações entre homens e mulheres, cuja a base ao fim somente se sustenta dada uma visão reprodutivista, a qual paradoxalmente se dizem combater. Esta ideia tem sido desenvolvida posteriormente por diversas autoras desde a década de 1980.
A escritora e feminista Adrianne Rich, que por meio dela esta análise tem sido mais difundida, apontava desde o início dos anos 1980, como pressuposto de um desejo inato das mulheres pelos homens não podia ser questionado, nem mesmo dentro do movimento feminista. Ela iniciava em seu famoso ensaio Heterossexualidade Obrigatória… nos lembrando a maneira em que “não é suficiente para o pensamento feminista o fato de que existiam textos especificamente lésbicos. Qualquer teoria, criação cultural ou política que trate a existência lésbica como um fenômeno marginal ou menos ‘”natural”, como uma mera “preferência sexual” ou como um reflexo das relações heterossexuais ou homossexuais masculinas, resulta profundamente debilitada justamente por essa razão, independente do restante de suas
contribuições. Se atrasa muito o aparecimento de uma crítica feminista da orientação heterossexual obrigatória para mulheres.(RICH, 2001 [1986], p. 45).
Rich observa a necessidade de formular a maneira em que a heterossexualidade tem sido construída historicamente como instituição e os fins para que tem servido, já que a mesma, em sua compreensão, é também uma instituição econômica que tem permitido e sustentado a dupla jornada de trabalho para mulheres, assim como a divisão sexual do trabalho como “a mais perfeita das relações econômicas” (Idem 79). Destaca que não compreender a heterossexualidade como instituição política implicar negar que o sistema de opressão, econômico, racista e de gênero, se mantém graças a uma multiplicidade de operações. Reconhece que o grande obstáculo e a dificuldade que comporta esta análise se deve ao fato de lançar a luz um tema tão difícil como o desejo sexual, o qual causa para mulheres heterossexuais um duro trabalho “intelectual e emocional”; “reconhecer que para as mulheres a heterossexualidade pode não ser uma ‘preferência’ completamente mas algo que tem que ser imposto, gestionado, organizado, propagado e mantido a força”, é um passo necessário para “a libertação do pensamento, [a] a exploração de novos caminhos, para vir debaixo de outro grande silêncio, [a] nova nitidez das relações pessoais. (Idem 66).
Está análise tem sido importante para compreender por que motivo falar sobre heterossexualidade obrigatória tem incitado intensos debates no interior do feminismo, como volta a rememorar a teórica feminista italiana Teresa de Lauretis. Ela em concordância com Rich, destaca como este conceito traz ao espaço da política o tema do desejo e seus limites, um âmbito que de modo insistente por sua relação com a subjetividade, por sua relação com o mais íntimo e vulnerável, há resistência em ser mencionada e subjetivada pela política, apesar de que desde de a teoria temos acordado e conceituado que o âmbito da sexualidade é absolutamente público e objeto de operações de poder específicas que a produzem normativamente (FAULCAULT, 1977). Poderíamos dizer sem temer nos equivocar, que esta resistência e os repares que se enfrenta o uso do termo como ferramente de explicação tem haver com o
mesmo que tange o íntimo, o coração mesmo da operação de poder por meio da qual se tem construído e mantido a estrutura de domínio patriarcal. Esta operação como aponta Mackinnon consiste em fazer da mulher, em lugar de sujeito, no qual, “o desejo sexual é construído socialmente como aquele pelo que [se]chega a desejar [o] próprio auto aniquilamento. “A feminilidade, tal como a conhecemos, representa a forma em que chegamos a desejar a dominação masculina” (1987, p. 54).
Seguindo esta análise, Teresa de Lauretis nos rememora o estudo de David Halperin (1986) segundo o qual, Ocidente, das mãos da Diotima de Platão, tem construído um modelo de sexualidade feminina ligada a reprodução e o desejo pelo homem. De Lauretis aponta que esta ética erótica é a que se tem sustentado e difundido através dos séculos por meio do discurso filosófico e com ele, nos adverte,tem permamecido excluídas outras formas de sexualidade não reprodutiva de mulheres assegurando o contrato heterossexual, ou uma heterossexualidade que definitivamente pareceria indissolúvel para as mulheres. “A construção e a apropriação para o uso do erotismo masculino garante a heterossexualidade ou a homossexualidade do pacto social, em virtude do qual todas as sexualidades, todos os corpos e todos ou ‘outros’ permanecem vinculados a uma ideal e ideológica hierarquia masculina que os define e determina seu significado e seu valor ‘social’ (DE LAURETIS, idem, 84). Para Lauretis isto significa compreender “que privilégio masculino não é algo que se possa renunciar de boa vontade ou abraçando uma ética mais humana, mas que é constitutivo do sujeito gerado por um contrato social heterossexual”(Idem, 126).
Esta ideia de “contrato heterossexual” foi proposta por Monique Wittig (1980) para apontar o acordo por meio do qual as distintas disciplinas epistemológicas a Modernidade se fundamenta em uma naturalização dos gêneros masculinos e femininos e atribuem a fato que a e a complementariadade entre eles é o fundamento de toda cultura. Trazendo a colocação esta formulação de Wittig, de Lauretis nos recorda a maneira em que escapa as relações concretas que vivem as mulheres, sejam estas heterossexuais ou lésbicas, e independente da qualidade das mesmas, a vivência da heterossexualidade normativa, enquanto todas estão sujeitas “na esfera pública dos efeitos objetivos e sistemáticos das instituições que as definem… como mulheres heterossexuais” com tudo o que ele comporta em termos de sujeita de uma subordinação particular (Idem 129). Assim como ela nos recorda “o pressuposto da heterossexualidade não é simplesmente um entre os diversos ‘mecanismos de dominação masculina’, como está intimamente envolvida em cada um deles: “se trata de uma estrutura sustentadora do pacto social e fundamento das normas culturais” (Idem, 129).
Finalmente não podemos concluir esta descrição do pacto da heterossexualidade obrigatória sem esboçar as reflexões realizadas pela teórica estadunidense Judith Butler. De acordo com a maior parte de análises anteriores, ela vai insistir na pergunta acerca das condições que tem determinado a produção de uma heterossexualidade normativa como necessidade de vigilância e produção do gênero: “até que ponto a hierarquia de gênero serve a uma heterossexualidade mais ou menos obrigatória, e com que frequência a vigilância das normas de gênero se faz precisamente com o propósito de apontar a hegemonia heterossexual” (2001 [1999, 1990,], 13).
Em seu muito lido Género en Disputa (2001 [1999, 1990,] ) ela aponta a maneira em que as normas de gênero referem em si mesmas a um “dimorfismo ideal” , a uma “complementaridade heterossexual dos corpos”, a uns ideais de feminilidade e masculinidade apropriados ou inapropriados de acordo com este ideal regulador centrado na matriz heterossexual que conceitualiza gênero e desejo. Se perguntará: “o que acontece com o sujeito e com as categorias de gênero quando o regime epistêmico de suposta heterossexualidade se desmascara como o que produz e desnaturaliza estas categorias supostamente ontológicas? (Idem, 28). Com isso, tentará dar conta da imposição de uma suposta unidade de experiência entre sexo, gênero e desejo dentro dos regimes de heterossexualidade obrigatória e a maneira em que ela se articula ao falocentrismo que impera. Se questiona, junto com Wittig, a maneira em que a construção do sexo como algo da ordem do natural serve a produção normativa dos corpos, dos gêneros e dos desejos.

Bibliografía

Butler, Judith (2001 [1990,1999]). El género en disputa : el feminismo y la subversión de la
identidad. México, D.F.: Paidós.
Colectivo Purple September Staff (1975). The normative status of heterosexuality. En Ch.
Bunch y N. Mirón (Eds.), Lesbianism and the women ́s movement. Baltimore: Diana
Press.
De Lauretis, , Teresa (2002 [1996]). Diferencias : etapas de un camino a través del
feminismos. Madrid: Horas y horas. (Cuadernos inacabados; 35).
Foucault, Michel (1977 [1980]). Historia de la sexualidad. (Vol.1). Madrid: Siglo XXI.
Lonzi, Carla (1978). La mujer clitórica y la mujer vaginal. En Lonzi, Carla (Ed.),
Escupamos sobre Hegel y otros escritos sobre liberación femenina. Buenos Aires:
La Pléyade.
MacKinnon, Catherine (1987). Feminism unmodified : discourses on life and law.
Cambridge: Harvard University Press.
Rich, Adrienne (2001 [1986]). Sangre, pan y poesía. Prosa escogida 1979-1985.
Barcelona: Icaria.
Wittig, Monique (verano 1980). The straight mind. Feminist issues, 1, pp.103-110.

SOBRE AUTORA: Yuderkys Espinosa Miñoso

*É pensadora, ativista, ensaísta, e docente comprometida com os movimentos antirracistas, o (hetero) patriarcado e a colonialidade. Nasceu e cresceu dentro de uma família afro-mestiça dos bairros populares de Santo Domingo. E tem vivido a treze anos como imigrante na Argentina e atualmente na Colômbia,
onde se mobiliza e percorre o territórioAbya Yala, comprometida com um projeto de formação política e desenvolvimento de um pensamento feminista crítico, antirracista e descolonial latino-americano. É candidata a doutora em filosofia pela Universidad de Buenos Aires. Entre seus trabalhos mais conhecidos se encontram os artigos Etnocentrismo y colonialidad en los feminismos latinoamericanos: Complicidades y consolidación de las hegemonías feministas en el espacio transnacional (2009); Los desafíos del feminismo latinoamericano en el contexto actual (2010); o livro Escritos de una lesbiana oscura (2007). Também tem sido coordenadora de várias publicações entre elas Aproximaciones críticas a las prácticas teórico-políticas del Feminismo Latinoamericano (2010). Junto a Karina Ochoa y Diana Gómez ha compilado el libro Tejiendo de “Otro Modo”: Feminismo, epistemología y apuestas descoloniales en Abya Yala (2014).

Retirado de http://glefas.org/biografia/yuderkys-espinosa-minoso/ acessado 22 out 2017 às 23h37m


Tradução livre por Formiga via Edições Formigueiro

Palavras chave: teoria lésbika e heterossexualidade kompulsória.

Resumo: O texto aborda uma historicização da noção de heterossexualidade obrigatória, nascida no seio
do movimento feminista e lésbico e sua utilização realizada por diversas teóricas a partir da década de
1970.