Monthly Archives: April 2019

HETEROSSEXUALIDADE OBRIGATÓRIA

por Yuderkys Espiñosa Miñoso*

Buenos Aires, outubro de 2003

A análise da heterossexualidade como instituição é bastante recente dentro da teoria feminista tem desenvolvido um papel central a partir dos aportes realizados por feministas lésbicas dentro da academia e confronta-se distintos níveis de aceitação e rejeição.
Mas, sem dúvidas, esta noção este conceito foi amplamente conhecido por meio do texto Heterossexualidade obrigatória e existência lésbica da poeta e pensadora feminista Adrienne Rich (1980), embora tenha sido proposto originalmente pelo coletivo Purple September Staff através de seu artigo The normative status of heterosexuality (1975). Em sua análise, esta agrupação de feministas nos Estados Unidos, não somente apresentou o caráter da obrigatoriedade da heterossexualide, como veremos que já vinha sendo abordado por pensadoras como Carla Lonzi desde o início dos anos 1970 no contexto italiano, mas também introduzem um elemento novo em sua compreensão, isto é, a maneira como a heterossexualidade tem se constituído como uma das instituições chaves do patriarcado. De fato, o conceito usado pelo grupo, foi o de instituição da heterossexualidade obrigatória, que de acordo com Lauretis ( 2000 [1987]) permitirá chegar a uma análise mais adequada a respeito do lugar que a heterossexualidade ocupa em nossas sociedades, da maneira em que funda tanto o gênero, a sexualidade, os modos de relações entre os indivíduos e de pensamentos sobre os indivíduos. Como veremos, pensar a heterossexualidade como instituição social seria uma noção chave para a teoria feminista em sua análise sobre a construção do patriarcado.
A análise da obrigatoriedade da heterossexualidade em nossas sociedades havia sido desenvolvida desde o início dos anos 1970 no interior do movimento italiano pelo coletivo Rivolta Femminile, cujo o trabalho podemos acessar através de uma de suas integrantes, a reconhecida pensadora Carla Lonzi. Para o verão de 1971, esta escrevia em um de seus ensaios que posteriormente fora publicado em Escupamos sobre Hegel y otros escritos sobre liberación femenina2 o seguinte: “a complementariedade é um conceito que atinge o homem e a mulher no momento da reprodução, mas não no erótico sexual […] não é o modelo reprodutor aquele em que há cristalizado a relação heterossexual – incluindo quando no fim procriador é evitado cuidadosamente – segundo a preferência pelo pênis hegemônico?” e inclui: “Não nos pronunciamos sobre a heterossexualidade: não estamos tão cegas aponto de não poder ver que é um pilar do patriarcado, nem somos tão ideológicas a ponto de rechaçá-la a priori […] mas estamos convencidas enquanto a heterossexualidade for um dogma, a mulher seguirá sendo, de algum modo o complemento do homem. (LONZI, 1978, p. 72-73).
Nos seus trabalhos Lonzi invoca as múltiplas reivindicações do movimento de mulheres e feminista, como a luta pelo direito ao aborto. Ela advertia antecipadamente, a maneira em que todas as lutas seguem sem tocar no ponto central pelo qual a subordinação das mulheres é possível, e isto é, a naturalização das relações entre homens e mulheres, cuja a base ao fim somente se sustenta dada uma visão reprodutivista, a qual paradoxalmente se dizem combater. Esta ideia tem sido desenvolvida posteriormente por diversas autoras desde a década de 1980.
A escritora e feminista Adrianne Rich, que por meio dela esta análise tem sido mais difundida, apontava desde o início dos anos 1980, como pressuposto de um desejo inato das mulheres pelos homens não podia ser questionado, nem mesmo dentro do movimento feminista. Ela iniciava em seu famoso ensaio Heterossexualidade Obrigatória… nos lembrando a maneira em que “não é suficiente para o pensamento feminista o fato de que existiam textos especificamente lésbicos. Qualquer teoria, criação cultural ou política que trate a existência lésbica como um fenômeno marginal ou menos ‘”natural”, como uma mera “preferência sexual” ou como um reflexo das relações heterossexuais ou homossexuais masculinas, resulta profundamente debilitada justamente por essa razão, independente do restante de suas
contribuições. Se atrasa muito o aparecimento de uma crítica feminista da orientação heterossexual obrigatória para mulheres.(RICH, 2001 [1986], p. 45).
Rich observa a necessidade de formular a maneira em que a heterossexualidade tem sido construída historicamente como instituição e os fins para que tem servido, já que a mesma, em sua compreensão, é também uma instituição econômica que tem permitido e sustentado a dupla jornada de trabalho para mulheres, assim como a divisão sexual do trabalho como “a mais perfeita das relações econômicas” (Idem 79). Destaca que não compreender a heterossexualidade como instituição política implicar negar que o sistema de opressão, econômico, racista e de gênero, se mantém graças a uma multiplicidade de operações. Reconhece que o grande obstáculo e a dificuldade que comporta esta análise se deve ao fato de lançar a luz um tema tão difícil como o desejo sexual, o qual causa para mulheres heterossexuais um duro trabalho “intelectual e emocional”; “reconhecer que para as mulheres a heterossexualidade pode não ser uma ‘preferência’ completamente mas algo que tem que ser imposto, gestionado, organizado, propagado e mantido a força”, é um passo necessário para “a libertação do pensamento, [a] a exploração de novos caminhos, para vir debaixo de outro grande silêncio, [a] nova nitidez das relações pessoais. (Idem 66).
Está análise tem sido importante para compreender por que motivo falar sobre heterossexualidade obrigatória tem incitado intensos debates no interior do feminismo, como volta a rememorar a teórica feminista italiana Teresa de Lauretis. Ela em concordância com Rich, destaca como este conceito traz ao espaço da política o tema do desejo e seus limites, um âmbito que de modo insistente por sua relação com a subjetividade, por sua relação com o mais íntimo e vulnerável, há resistência em ser mencionada e subjetivada pela política, apesar de que desde de a teoria temos acordado e conceituado que o âmbito da sexualidade é absolutamente público e objeto de operações de poder específicas que a produzem normativamente (FAULCAULT, 1977). Poderíamos dizer sem temer nos equivocar, que esta resistência e os repares que se enfrenta o uso do termo como ferramente de explicação tem haver com o
mesmo que tange o íntimo, o coração mesmo da operação de poder por meio da qual se tem construído e mantido a estrutura de domínio patriarcal. Esta operação como aponta Mackinnon consiste em fazer da mulher, em lugar de sujeito, no qual, “o desejo sexual é construído socialmente como aquele pelo que [se]chega a desejar [o] próprio auto aniquilamento. “A feminilidade, tal como a conhecemos, representa a forma em que chegamos a desejar a dominação masculina” (1987, p. 54).
Seguindo esta análise, Teresa de Lauretis nos rememora o estudo de David Halperin (1986) segundo o qual, Ocidente, das mãos da Diotima de Platão, tem construído um modelo de sexualidade feminina ligada a reprodução e o desejo pelo homem. De Lauretis aponta que esta ética erótica é a que se tem sustentado e difundido através dos séculos por meio do discurso filosófico e com ele, nos adverte,tem permamecido excluídas outras formas de sexualidade não reprodutiva de mulheres assegurando o contrato heterossexual, ou uma heterossexualidade que definitivamente pareceria indissolúvel para as mulheres. “A construção e a apropriação para o uso do erotismo masculino garante a heterossexualidade ou a homossexualidade do pacto social, em virtude do qual todas as sexualidades, todos os corpos e todos ou ‘outros’ permanecem vinculados a uma ideal e ideológica hierarquia masculina que os define e determina seu significado e seu valor ‘social’ (DE LAURETIS, idem, 84). Para Lauretis isto significa compreender “que privilégio masculino não é algo que se possa renunciar de boa vontade ou abraçando uma ética mais humana, mas que é constitutivo do sujeito gerado por um contrato social heterossexual”(Idem, 126).
Esta ideia de “contrato heterossexual” foi proposta por Monique Wittig (1980) para apontar o acordo por meio do qual as distintas disciplinas epistemológicas a Modernidade se fundamenta em uma naturalização dos gêneros masculinos e femininos e atribuem a fato que a e a complementariadade entre eles é o fundamento de toda cultura. Trazendo a colocação esta formulação de Wittig, de Lauretis nos recorda a maneira em que escapa as relações concretas que vivem as mulheres, sejam estas heterossexuais ou lésbicas, e independente da qualidade das mesmas, a vivência da heterossexualidade normativa, enquanto todas estão sujeitas “na esfera pública dos efeitos objetivos e sistemáticos das instituições que as definem… como mulheres heterossexuais” com tudo o que ele comporta em termos de sujeita de uma subordinação particular (Idem 129). Assim como ela nos recorda “o pressuposto da heterossexualidade não é simplesmente um entre os diversos ‘mecanismos de dominação masculina’, como está intimamente envolvida em cada um deles: “se trata de uma estrutura sustentadora do pacto social e fundamento das normas culturais” (Idem, 129).
Finalmente não podemos concluir esta descrição do pacto da heterossexualidade obrigatória sem esboçar as reflexões realizadas pela teórica estadunidense Judith Butler. De acordo com a maior parte de análises anteriores, ela vai insistir na pergunta acerca das condições que tem determinado a produção de uma heterossexualidade normativa como necessidade de vigilância e produção do gênero: “até que ponto a hierarquia de gênero serve a uma heterossexualidade mais ou menos obrigatória, e com que frequência a vigilância das normas de gênero se faz precisamente com o propósito de apontar a hegemonia heterossexual” (2001 [1999, 1990,], 13).
Em seu muito lido Género en Disputa (2001 [1999, 1990,] ) ela aponta a maneira em que as normas de gênero referem em si mesmas a um “dimorfismo ideal” , a uma “complementaridade heterossexual dos corpos”, a uns ideais de feminilidade e masculinidade apropriados ou inapropriados de acordo com este ideal regulador centrado na matriz heterossexual que conceitualiza gênero e desejo. Se perguntará: “o que acontece com o sujeito e com as categorias de gênero quando o regime epistêmico de suposta heterossexualidade se desmascara como o que produz e desnaturaliza estas categorias supostamente ontológicas? (Idem, 28). Com isso, tentará dar conta da imposição de uma suposta unidade de experiência entre sexo, gênero e desejo dentro dos regimes de heterossexualidade obrigatória e a maneira em que ela se articula ao falocentrismo que impera. Se questiona, junto com Wittig, a maneira em que a construção do sexo como algo da ordem do natural serve a produção normativa dos corpos, dos gêneros e dos desejos.

Bibliografía

Butler, Judith (2001 [1990,1999]). El género en disputa : el feminismo y la subversión de la
identidad. México, D.F.: Paidós.
Colectivo Purple September Staff (1975). The normative status of heterosexuality. En Ch.
Bunch y N. Mirón (Eds.), Lesbianism and the women ́s movement. Baltimore: Diana
Press.
De Lauretis, , Teresa (2002 [1996]). Diferencias : etapas de un camino a través del
feminismos. Madrid: Horas y horas. (Cuadernos inacabados; 35).
Foucault, Michel (1977 [1980]). Historia de la sexualidad. (Vol.1). Madrid: Siglo XXI.
Lonzi, Carla (1978). La mujer clitórica y la mujer vaginal. En Lonzi, Carla (Ed.),
Escupamos sobre Hegel y otros escritos sobre liberación femenina. Buenos Aires:
La Pléyade.
MacKinnon, Catherine (1987). Feminism unmodified : discourses on life and law.
Cambridge: Harvard University Press.
Rich, Adrienne (2001 [1986]). Sangre, pan y poesía. Prosa escogida 1979-1985.
Barcelona: Icaria.
Wittig, Monique (verano 1980). The straight mind. Feminist issues, 1, pp.103-110.

SOBRE AUTORA: Yuderkys Espinosa Miñoso

*É pensadora, ativista, ensaísta, e docente comprometida com os movimentos antirracistas, o (hetero) patriarcado e a colonialidade. Nasceu e cresceu dentro de uma família afro-mestiça dos bairros populares de Santo Domingo. E tem vivido a treze anos como imigrante na Argentina e atualmente na Colômbia,
onde se mobiliza e percorre o territórioAbya Yala, comprometida com um projeto de formação política e desenvolvimento de um pensamento feminista crítico, antirracista e descolonial latino-americano. É candidata a doutora em filosofia pela Universidad de Buenos Aires. Entre seus trabalhos mais conhecidos se encontram os artigos Etnocentrismo y colonialidad en los feminismos latinoamericanos: Complicidades y consolidación de las hegemonías feministas en el espacio transnacional (2009); Los desafíos del feminismo latinoamericano en el contexto actual (2010); o livro Escritos de una lesbiana oscura (2007). Também tem sido coordenadora de várias publicações entre elas Aproximaciones críticas a las prácticas teórico-políticas del Feminismo Latinoamericano (2010). Junto a Karina Ochoa y Diana Gómez ha compilado el libro Tejiendo de “Otro Modo”: Feminismo, epistemología y apuestas descoloniales en Abya Yala (2014).

Retirado de http://glefas.org/biografia/yuderkys-espinosa-minoso/ acessado 22 out 2017 às 23h37m


Tradução livre por Formiga via Edições Formigueiro

Palavras chave: teoria lésbika e heterossexualidade kompulsória.

Resumo: O texto aborda uma historicização da noção de heterossexualidade obrigatória, nascida no seio
do movimento feminista e lésbico e sua utilização realizada por diversas teóricas a partir da década de
1970.

Lesbo-ódio: uma experiência política pessoal 1 (esboço não finalizado)

O texto visa realizar relatos pessoais sobre minha vivência lésbica, que aborda violência e compreender essas violências como uma experiência política, ou seja, uma vivência experienciada por diversos corpos lésbicos dentro do contexto de uma sociedade da supremacia masculina e da branquitude.
Gostaria de me apresentar sou uma lésbica masculina esteticamente, eu raspo os cabelos há vários anos, uso camisetas, bermudas e bonés, moro na periferia de São Paulo, tenho 28 anos contrariando as estatísticas 3, pele parda, estudante de história cotista racial e social e poeta de vulgo Formiga nas horas vagas.
O conceito de lesbo-ódio foi elaborado por Monalisa Gomyde 4 , que consta em seu vlog no YouTube. Gomyde vai discordar do conceito de lesbofobia que, segundo a etimologia da palavra significa medo de lésbicas e quando a sociedade expressa violência contra lésbicas, não é uma expressão de medo e sim de ódio. Gomyde propõe o uso do termo lesbo-ódio para substituir o termo lesbofobia e mais adequadamente nomear violências contra lésbicas na sociedade patriarcal.
Maira Gonçalves de Abreu 5, em sua tese de doutorado em sociologia defendida na Universidade Estadual de Campinas no ano de 2016, a respeito do movimento de libertação das mulheres na França na década de 1970, vai indicar que uma das ações desenvolvidas pelo movimento feminista tanto na França quanto nos EUA desenvolveu a técnica da auto consciência, que consistia em reuniões para falar sobre a vida de cada mulher presente, perceberem coisas em comum e a partir dai teorizaram sobre questões das mulheres. Um dos grandes motes do feminismo “o pessoal é politico”, criando nesse momento da segunda onda feminista, orienta o texto refletindo vivências pessoais e compreendendo elas como vivências politico pessoais.
Eu enquanto lésbica parda masculina passo por uma série de violências de lesbo-ódio que estão juntas e misturadas. O manifesto do coletivo do Rio Combahee 6 inicia seu texto afirmando que seu programa combate o capitalismo, o patriarcado, o racismo e a heterossexualidade nos trazendo a noção de imbricação das lutas, por tanto também imbricação das opressões.
Em agosto 2016 ao caminhar pelo centro da cidade de São Paulo, de bermuda larga, camiseta e boné da Um da sul 7, fui abordada por policiais. Um dos policiais com a arma apontada para minha cabeça ordenou que eu colocasse as mãos na cabeça e eu disse que ele tinha que chamar a polícia feminina porque eu sou “mulher”. O policial me humilhou de diversas formas e disse que já que já que eu quero ser homem ele iria me tratar como homem. O policial chegou ao ponto de me ameaçar dizendo que naquela hora ele estava fardado, mas a noite ele a paisana poderia sumir comigo que ninguém ia ver.
Luana Barbosa lésbica, preta, mãe e periférica morreu em decorrência de violência policial em abril de 2016. Fátima Lima 8 vai apontar que vivemos em um estado de necropolitica onde uns corpos são mais matáveis do que outros. No caso que está na mira no Brasil são os corpos pretos e pardos como o meu. Já sofri várias abordagens policiais ao longo dos meus 28 anos, todas violentas, mas após o assassinato de Luana estava muito escuro na minha cabeça que eu poderia ser a próxima 9.
Outra situação que aconteceu comigo em novembro de 2017, na sala de aula durante a minha apresentação de seminário sobre John Stuart Mill, nós do grupo apresentamos nossos nomes e durante o seminário a professora me chamou de Tiago, um nome masculino de um dos membros do grupos. Após o término do seminário, em um retorno das impressões da professora sobre nossa apresentação ela me chamou de Tiago novamente o que demonstra que ela achava que eu era um menino mesmo eu tendo me apresentado como Aline.
Em dezembro de 2018, em uma visita a minha família, minha tia avó, mulher branca ficou repetindo muitas vezes que eu ser assim homossexual é uma coisa natural e que é da minha natureza ser masculina.
Sheila Jeffreys 10, em seu livro La heresia lesbiana – la revolucion sexual de una perspectiva lesbiana feminista, vai mencionar o advento da sexologia ser datado do fim do século XIX. Jeffreys indica que o sexólogo Henry Havellock Ellis lançou a obra La inversion sexual, que pensa sobre lésbicas. Havellock Ellis vai compreender que existem dois tipos de lésbicas a lésbica congênita que seria a lésbica que nasceu lésbica e tem traços de masculidade e a lésbica que nasceu normal mas é corrompida pela lésbica congênita.
O pensamento de que lesbica é alguém que carrega uma essência masculina é algo que é construído histórica e cientificamente, que saiu da academia e adentrou ao senso comum com tal força que minha tia avó, o policial e a professora universitária, creem na mesma perspectiva da lésbica congênita. O grande problema dessa essencialização da lésbica como alguém masculino naturaliza o gênero e gera estereótipos que nos violentam levando inclusive ao lesbocídio 11.
Confundir lésbica masculina com homem é apenas um dos exemplos de lesbo-odio que as lésbicas masculinas passam. Denunciar a condição de vida das lésbicas dentro da sociedade patriarcal se apresenta como uma ferramenta para viabilizar nossas pautas e colaborar para reeducação social.

Notas

1 Não é possível trazer maiores detalhes bibliográficos porque tive que elaborar as pressas este texto por problemas pessoais e estou sem internet no local onde está sendo redigido.

2 Ativista lésbica parda autônoma periférica da cidade de São Paulo e poeta Formiga.

3 Alusão a frase do Mano Brow, dos Racionais Mcs na música Capitulo 4 versículo 3: “se eu fosse aquele cara que se humilha no sinal por menos de um real minha chance era pouca, mas seu eu fosse aquele moleque de toca que engatilha e enfia o cano dentro da sua boca. Mas não prossigo a mística vinte e sete ano contrariando as estatísticas.” Música situada no album Sobrevivendo no inferno de 1997.

4 Monalisa Gomyde é bacharel em Teoria Literaria pela Universidade Estadual de Campinas e ativista lésbica radical.

5 Como havia mencionado não tenho acesso a internet por isso não é possível trazer maiores dados sobre o texto e a teórica. Mas sei que a tese em questão foi defendida em 2016, na UNICAMP e versa sobre os conceitos de antiraturalismo e materialismo desenvolvidos no movimento de libertação das mulheres na França durante a década de 1970 e para tal a autora historiciza o mouvement de libertacion des femmes.

6 Coletivo do Rio Combahee é um coletivo de feminismo negro estadunidense que se organizou durante a década de 1970. Era compostos de algumas importantes ativistas lesbicas negras como por exemplo Audre Lorde e Barbara Smith. Em 1977 lançou seu célebre manifesto, que pode ser encontrado na coletânea de lésbicas de cor Esta puente es mi espalda, organizada por Gloria Anzaldua e Cherri Moraga nos anos 1980.

7 Um da sul é uma marca de roupas e loja de livros idealizada pelo escritor periférico Ferrez localizada na região do Capão Redondo, periferia da zona sul de São Paulo.

8 Fátima Lima lésbica preta acadêmica do campo da Antropologia. O texto referido é de 2018 e foi lançado na Revista Gênero da UFBA.

9 Eu poderia ser a próxima é uma alusão ao filme produzido e lançado pelo coletivo Luana Barbosa em 2017 chamado Eu sou a próxima, que aborda assassinatos de lésbicas negras no ano de 2016.

10 Sheila Jeffreys é socióloga inglesa que estuda a teoria gay e teoria lésbica.

11 Lesbocídio é a noção de que lésbicas são assassinadas porque são lésbicas. O dossiê lesbocídio é uma pesquisa desenvolvida por Milena Carneiro Peres, Suane Fellipe Soares sob a orientação Maria Clara Dias, onde elas analisam assassinato e suicídio de lésbicas, compreendendo como uma violência específica contra lésbicas em nossa sociedade patriarcal.

texto escrito para o curso de pensamento lésbico por Formiga

todo sapatão preto é exu

todo sapatão preto é exu

meu okani é um dildo

todo sapatão preto é exu

kuando minha mina goza eu ke vibro

todo sapatão preto é exu

meu kor-po inteiro é meu okani

todo sapatão preto é exu

passarin feito origami

todo sapatão preto é exu

muita gente tem medo de mim

todo sapatão preto é exu

algumas preta é afim

todo sapatão preto é exu

fugindo dos botas

todo sapatão preto é exu

korrendo atras das notas

todo sapatão preto é exu

nem ruim nem bom

todo sapatão preto é exu

meio amargo mas é bom bom

todo sapatão preto é exu

vida circular

todo sapatão preto é exu

komo diria ifá

todo sapatão preto exu

não sou demônio

todo sapatão preto é exu

mecho kom seu feromônio

todo sapatão preto é exu

negociando no markado

todo sapatão preto é exu

rimando mando meu rekado

todo sapatão preto é exu

vendo pó

todo sapatão preto é exu

vendo pó…esia e não é só

todo sapatão preto é exu

merkado negro

todo sapatão preto é exu

dinheiro negro

todo sapatõa preto é exu

minha vida é tesouro

todo sapatão preto é exu

valho mais ke ouro

todo sapatão preto é exu

noiz não gosta de polícia

todo sapatão preto é exu

na humildade sem maldade sem malícia

todo sapatão preto é exu

eu gosto de komê

todo sapatão preto exu

farofa de dendê

todo sapatão preto é exu

sou fã do seu lindo bumbum

todo sapatão preto é exu

eu kero minha oxum

todo sapatão preto é exu

to de brinkadeira

todo sapatão preto é exu

mas é lição verdadeira

todo sapatão preto é exu

POR FORMIGA

Mestiço Drama

Pardo é branko sujo
Mestiçagem cujo
Gera várias gerações de
Enkardidas
Sem adidas
No pé
E agora José?
Pardo e tardo em rekonhecer
Ke meu lokal de fala é leopardo
Meu lokal de kala é pantera negra
Seguindo as regras
Não ao leu
Pardo é papel
Papel social de pensar a intersecção
Racial
Komo pode a minha pessoa
H. Aço não S. Barro jao
sofrer estilhaço de racismo
E na kabeca ressoa brankitude
Konsciência a milhão e zero atitude?
Na beira do mar
Buskar mulheres brankas pra amar
Preterindo sapatonas pretas
Preferindo o desejo pelo
Beijo embrankecido
Da história eskecido
Fika eskisito
E kuando o amor
Por uma afrikana em diáspora brotou
Também rolou tio
O ciúme doentio
Educação sentimental
Passado presente kolonial
Desvalorizar a necessecidade de leveza
afetividade
Da minha mana preta
É desumanizar
Sua korpa tbm afrikana
Gritaram me negra
Eu respondi
Eu akudi
Me responsabilizei
Me posicionei
Mas os retintos da opressão
Disseram se liga jao
Meu kilombo é de bantu
Tem bombo tem santo mas num é pra branko
Afro konveniente
Konivente
Me tranko no kuarto
E kuando saio mais um enkuadro
E novos dias de desemprego
Desapegada as gatas vaza
Eu vira lata
Branquice é sua babakice
De me esteriotipar
Achar ke eu vou chavekar
Kualker rabo de saia
Ke raiva
Kuase sai um rabo de arraia
Pensam ke eu sou trombadinha
Só por kausa da minha karekinha
E da minha bombeta
Kebrou minha makininha
Me tiraram de leão noia e eu sou kareta
Streithg edge
Nem afro bege
No máximo não branko
Sempre trava a porta do banko
Aí meus kachos krescem pra cima
E vc chamando de kabelo ruim
Komo assim
E Ruim é esse pre konceito
Introjetado no peito
Ke é us mesmo 500
De 1500
Passa é um lamento
Em forma de poema
Da Tatiana Nascimento
Um poema
Kom eu liriko raivoso
É sobre komo
Nossa mistura
Poko eskura
Não é aceita pra konstruir kilombagem
Menos melanina mais mestiçagem sem koletividade
Perto das retinta
É poka tinta
Mas Firmao
Então
É pokas
Pokas ideia
Pra kem vem tirar
Minha odisseia
De 28 ano
Kontrariado as estatistika
E superando
A supremacia kolonialista
Na kontradição
Na kontra mao
Pele parda num ouço funk
mas kurto punk
Vim da lama
Valeu pai mestico drama
Já versou alafia meu
Meu pai Meu pai sou eu

POR FORMIGA

Além do rosa e do azul
Pode ter muita tensão
Pode ter muito tesão
Transgressão na zona sul
Agressão
Lesbo Ódio é mato
Lesbo Ódio é revide
Instinto revolta no tato
Não tive konvite
Tem ke ter noção do perigo
Lesbo Ódio gera lesbocídio
Sapatão fora dos padrões da estétika
Da feminilidade
Kestionando a maskulinidade
Periférika
Kabeça raspada
Bombeta
e roupas largas
Kamiseta
De banda de byke
De vegetarianismo ou de dyke
Nas margens da cidade
Me visto assim
Pra as minas se tokar
Ke eu tô afim
Pras minas me tokar
Me visto assim
Kaminhoneira sapatona malokeira
Pras mulheres saber ke eu sou kapaz
De amar mulheres
Kaminhar nas ruas da kebrada
Kom os nervos à flor da pele
Keria a luz acesa na kalada
A flor da pele
A flor da pele Preta
Mil letras
Do dia ke noiz tava no kampinho
E ze povinho
Teve certeza
ó
Ke não kaminho só

POR FORMIGA

punk é mais do ke barulho (kom as manas da banda Korta Brisa)

punk é revolta
punk é pedir Re volta
punk é saudade
punk é kriatividade
punk é amor
punk é rankor
punk é kalor
punk é tambor
punk é preta
punk é treta
punk é afeto
punk é buska por um teto
punk é korreria
punk é viver no dia a dia
punk é rua
punk é ciklo da lua
punk é sapatão
punk é kebrada jão
punk é kantar
punk é recitar
punk é plantar
punk é regar
punk é kura
punk é kontrakultura
punk é literatura
punk é fazer rango
punk é yo mango
punk é trampo
punk é favela
punk é kampo
punk é vegetarianismo
punk é antissexismo
punk é mobilização
punk é reedukação
punk é ter sonhos e planos
punk é redução de danos
punk é biblioteka
punk é brinkedoteka
punk é amizade
punk é sinceridade
punk é korta brisa
punk é poeta formiga
punk é nossa sintonia
punk é akreditar nas forças da natureza
punk é beleza
punk é verde não devaste
punk é dupla face
punk é fanzineira
punk é malokeira
punk é andar de byke
punk é rock y dyke
punk é antifacista miliano
punk é 50 mil mano
punk é fazer a krítika
punk é autokritika
punk é raiz
punk é diretriz
punk é berimbau
punk é visual
punk é destreza
punk é autodefesa
punk é sabotagem
punk é mensagem
punk é tatuagem
punk é massagem
punk é pogar
punk é yoga
punk é prazer
punk é fazer akontecer
punk é diversão
punk é união

POR FORMIGA

cirko eleitoral
a eskerda paga um pau
pra pilantras y trairas de eskerda centralizam o poder
fechando kom o poder
dentro do estado
eskecendo do trabalho kom os trabalhadores
seguimos karregando nossas dores
kom medo de homem
kom medo da fome
deklaram em rede nacional
o ke kerem é um estado de bem estar social
ou seja
melhoria para o pobre
mas sem akabar kom a desigualdade social
pilatras y trairas tem diskuso populista
e fecha kom o sistema kapitalista
du outro lado
fazendo ainda mais estrago
liberal na ekonomia y e nos kostumes konservador
odeia o amor
entre homossexuais
não fecha kom diretos iguais
odeia indigenas kilombolas e pretos e mulheres
ama armas e heterossexualidade
não ker ke nossas vidas tenham kualidade
nas ruas estão dando fakada em gente preta
muita treta
assassinando travas e riskando suastika na karne
e nos banheiros da faku
fantoches facistas kom mentalidade plástika
só pra konstar
o estado é branko burguês maskulino e heterossexual ker nos matar
não vamos ceder
ao refomismo ke ker nos korromper
ação direta é nossa únika arma revolucionária
sutil manipulação
sem ilusão kom voto útil
nem facho
nem macho
rebeldia sapatão
somos ingovernaveis jão

por FORMIGA

para nenessureal

Nenessurreal

num é montagem é a real

preta retinta

vai jogando as tinta

fazendo sua arte

por toda parte da cidade

miliano no movimento hip hop

referencia monstra é top

mulher preta no topo

machista merece soko

kom racista é sem ideia

sua vida é odisseia

pra noiz panaceia

salve nega veia

ke abriu os kaminhos

gladiadora ke protege seu ninho

e da do vinzhinho

saberes da ancestralidade

afrikana

ke emana dessa mana

sabe a responsa de viver em koletividade

não temos resposta pra tudo

mas o sem o kinto elemento

os 4 fika sem fundamento

mó guerreira

é mamãe

também é vovó

matriarka preta

mil trutas y mil tretas

seguindo sua trilha

não passa pano

nem pra sua filha

mano

é gorda também tipo las krudas

não se iluda

rompendo as fronteiras da ditadura da magreza

graduada na akademia

tem dois diploma fia

orgulho pra gente

mulher preta estudada

sempre da a letra

sobre lugar de fala

y lugar de kala

tudo komeçou kom a pixação

máximo respeito

mas sua paixão

são as kores

ke transmite pra noiz valores

pode krer

são

50 tons de nenê

o rolê du grafitti é muito karo

mina preta artista é raro

kestão ekonomika é pesado

u kapital fazendo estrago

nos talentos da kebrada

mas segue firme y forte komo marginal alada

solidão da mulher negra já te atravessou

teve pokos namoros

teve até um vacilão ke só keria fikar eskondido jão

agora mais madura

se nomeia sapatão

lesbianidade negra o itã de oxum y iansã não tem idade

tipo lívia natalia

ela ta ligada

eu mereço ser amada

tecnonologia ancestral

é mil grau

passado eskuro afro-futuro

pixando muro

pintando muro

disseram ke a rua é noiz

só ke só os macho tem tem voz

a rua é violenta

polícia trukulenta

cidade cinza

y homens kortando nossa brisa

sabedoria das antigas

pra se firmar

tem ke okupar

sair na rua pra pintar

tem ke ter estratégia

sair de bonde respeitando os muros mas sem fazer média

pelas pretinha do fundão

ninguém segura ela jão

ganhou o prêmio sabotagem 2016

tão brilhante kuanto o mestre do kanão

essa é sua vez

rekonhecimento merecido

vai vendo

se uma irmã ta sofrendo

pelo amô

temo ke ta somando

pra apaziguar essa dor

morô

marchar pelo bem viver

rachar esses pilantras sem proceder

afoito

homenagem no dia do grafitti 2018

pra essa preta de destake

é chave

nossa reverencia

sua rexistência

é pela inklusão

das mina preta na kultura

machos eskroto atura ou surta

kem é aliado ta na eskuta

komo diria rap plus size

mexeu kom uma

é cheque mate

minha arma é uma kaneta

respeita as mulher preta